“A minha paz vos dou. (João, 14:27)
Se vos for oferecida uma prenda material, estendereis as mãos para recebê-la; tendo a oportunidade de ouvir interessante palestra, voltareis a atenção para o orador; apresentado que vos seja um belo quadro, nele se fixam vossos olhos.
Eis que o Mestre nos oferta sua paz: que receptividade Lhe apresentamos? Estará nosso coração em condições de receber a sublime serenidade de Jesus? Ou estaremos nós, há milênios, cerrando o próprio Espírito à salvadora influência do Cristo?
É bem possível que estejamos sedentos de harmonia e famintos de entendimento junto a uma cascata espiritual de inconcebível esplendor e incalculável riqueza.
O Senhor nos permita recolher em nós partícula de bênçãos de Jesus, para espiritual regozijo dele e nosso.”
MENEZES, Bezerra de (Espírito). Comentários evangélicos.
Psicografado por Edgard Armond. São Paulo: Aliança, 1966.
A cascata luminosa
Convido agora cada um de nós a criar uma imagem mental, simples, mas muito forte, que irá nos acompanhar ao longo de toda a nossa conversa.
Imaginem uma cascata muito clara, muito límpida. A água cai em abundância, sem cessar. Não é uma água qualquer. É como se fosse uma água de luz, suave, serena, que ao tocar nossa pele acalmasse os pensamentos, dissolvesse mágoas antigas, lavasse a tristeza e renovasse nossas forças.
Agora imaginemos que essa cascata não está distante. Ela não está em um lugar inacessível, em algum “céu” remoto. Ela está ao nosso lado. Caminhamos o dia inteiro, trabalhamos, convivemos, enfrentamos problemas, e essa cascata permanece ali, jorrando, silenciosa, constante.
E nós, muitas vezes, estamos com sede. Sede de paz, sede de consolo, sede de sentido para a vida, sede de compreensão. No entanto, por distração, por orgulho, por medo ou por hábito, não estendemos as mãos para receber nem uma gota dessa água.
A paz de Jesus é essa cascata. Ela não é escassa, não é seletiva, não é para poucos. Ela flui, continua e generosa. A questão não é o que Jesus nos dá, mas o quanto nós nos dispomos a receber.
Ao longo desta reflexão, tudo o que for dito se refere a essa imagem: uma cascata espiritual de inconcebível esplendor e incalculável riqueza ao nosso lado, e nós, muitas vezes, vivendo como se estivéssemos num deserto.
Situações do cotidiano: quando não percebemos a cascata
A ansiedade e o medo do futuro
Pensemos na ansiedade que tantos de nós vivemos. Preocupações com o amanhã, com o emprego, com a saúde, com os filhos, com o país. A mente corre, o coração dispara, o sono se vai.
Nessas horas, o que fazemos, em geral? Buscamos notícias, repetimos conversas de medo, alimentamos na imaginação os piores cenários. Aumentamos o volume do mundo interior, mas raramente nos lembramos de silenciar para ouvir a voz da consciência, a inspiração dos bons Espíritos, a presença amorosa de Jesus.
É como se estivéssemos ao lado da cascata, mas de costas, discutindo sobre a falta de água, analisando a seca, debatendo estatísticas, sem dar um passo para frente, sem abrir as mãos.
Estender as mãos à paz de Jesus, nessa situação, pode significar algo muito simples e muito concreto: parar por alguns minutos, fazer uma prece sincera, respirar com calma, entregar a Deus o que foge ao nosso controle, e retomar o trabalho com responsabilidade, mas sem desespero.
A paz de Jesus não é a ausência de problemas. É a serenidade para lidar com eles. A cascata não tira as pedras do caminho, mas nos dá água para que sigamos adiante.
Conflitos familiares e relacionamentos
Outra situação muito comum: os conflitos dentro de casa. Um desentendimento com o cônjuge, a impaciência com os filhos, a mágoa com os pais, a palavra áspera que sai sem pensar.
Nesses momentos, geralmente, o que fazemos? Ao invés de buscar a paz, buscamos ter razão. Repetimos mentalmente o que o outro fez, justificamos nossas reações, alimentamos ressentimentos antigos.
Ficamos secos por dentro, mas insistimos que a culpa é sempre do outro. Continuamos ao lado da cascata, sedentos, apontando o dedo, em vez de colocar as mãos na água.
Estender as mãos à paz de Jesus, aqui, significa perguntar com honestidade: “O que eu posso fazer, hoje, para colocar um pouco de compreensão neste conflito?” Talvez seja ouvir mais, falar menos, pedir desculpas, perdoar em silêncio, buscar diálogo, orar pela pessoa com quem tenho dificuldade.
A paz de Jesus se derrama especialmente quando decidimos ser instrumentos de reconciliação, mesmo que o ambiente em volta ainda esteja agitado.
Cansaço, sobrecarga e sensação de não dar conta
Quantos de nós não carregamos uma sensação de sobrecarga? Trabalho, estudos, compromissos, responsabilidades. A impressão de que o dia tem poucas horas, de que sempre falta algo, de que estamos atrasados em relação a nós mesmos.
Quando o cansaço aperta, muitas vezes reagimos com irritação ou fuga. Ficamos ásperos, duros, reclamamos de tudo, ou então nos entregamos à distração vazia, tentando esquecer os problemas por alguns instantes.
Mais uma vez, a cascata continua ali, mas escolhemos caminhar com a boca seca, repetindo “não aguento mais”, em vez de buscar a água que renova.
Estender as mãos à paz de Jesus pode ser reorganizar prioridades, aprender a dizer “não” quando necessário, aceitar nossos limites com humildade, lembrar que não precisamos controlar tudo, que Deus não exige perfeição imediata, mas esforço sincero e constante.
E, sobretudo, reservar momentos de quietude interior, ainda que breves, em que a alma possa beber um pouco dessa água de paz, pela meditação, pela leitura edificante, por um trecho do Evangelho, por uma participação mais consciente nas atividades da Casa Espírita.
Culpa, autoexigência e erros do passado
Outra sede profunda é a culpa. Lembranças de erros que cometemos, escolhas infelizes, palavras que gostaríamos de não ter dito, atitudes que hoje não condizem mais com quem buscamos ser.
Quando a culpa se torna doentia, ela nos paralisa. Pensamos: “Não mereço nada. Deus deve estar desapontado comigo. Não tenho jeito.” É como se ficássemos sentados na beira da cascata, repetindo para nós mesmos que somos indignos de beber.
Mas o Evangelho nos mostra um outro caminho. Jesus não veio para os perfeitos. Ele veio para os que estão a caminho. Sua paz não é prêmio para quem nunca errou. É remédio para quem decide recomeçar.
Estender as mãos à paz de Jesus, aqui, significa assumir responsabilidade pelos próprios atos, sim, reparar quando possível, mas também aceitar o perdão de Deus e de nós mesmos, confiando na lei de progresso. O remorso que se transforma em trabalho no bem torna-se fonte de paz. A água da cascata não pergunta o que fizemos ontem. Ela pergunta apenas se hoje queremos beber e seguir adiante.
Dor, enfermidade e luto
Por fim, pensemos na dor mais aguda: a enfermidade, o luto, as perdas que parecem irreparáveis. Nessas horas, as palavras humanas por vezes soam pequenas.
Algumas pessoas, diante da dor, afastam-se ainda mais da fonte da paz. Revoltam-se, sentem-se abandonadas, acreditam que Deus se esqueceu delas. É uma experiência compreensível, mas que aprofunda a secura interior.
No entanto, os exemplos de tantos companheiros que enfrentaram doenças graves ou perdas dolorosas com fé nos mostram que é possível viver a dor de outro modo. Não é negar o sofrimento, mas permitir que a água da cascata o atravesse.
Estender as mãos à paz de Jesus, nesses momentos, pode significar aceitar ajuda, procurar a Casa Espírita, participar de um grupo de oração, permitir-se chorar na presença de Deus, e repetir, ainda que entre lágrimas: “Pai, não entendo tudo o que acontece, mas confio em ti. Ajuda-me a atravessar este momento.”
A paz de Jesus não elimina a experiência da dor, mas impede que a dor destrua o sentido da existência. Ela nos lembra que a vida continua, que nada termina na sepultura, que os laços de amor são imortais.
Por que não nos atentamos à cascata?
Diante dessas situações, podemos perguntar: por que, se essa paz está tão próxima, nós tantas vezes não nos atentamos a ela?
Talvez porque tenhamos acostumado a valorizar mais os presentes materiais do que os espirituais. A própria mensagem nos lembra: se alguém nos dá um presente, corremos para receber. Se há uma palestra interessante, damos atenção. Se um quadro bonito é apresentado, nossos olhos se fixam nele. Mas quando o Mestre nos oferece sua paz, quantas vezes permanecemos distraídos.
Talvez também por orgulho. Preferimos tentar resolver tudo sozinhos, pela força da vontade, sem recorrer à prece, sem pedir auxílio. É como se disséssemos, inconscientemente: “Eu dou conta”, e com isso deixamos de receber a ajuda que nos é oferecida.
Há ainda o hábito. Criamos rotinas mentais de preocupação, de crítica, de pessimismo. São como caminhos já muito pisados. A água está ali, mas continuamos andando em círculos em torno do deserto que já conhecemos.
A Doutrina Espírita, porém, nos recorda que estamos em processo de educação espiritual. Podemos aprender, pouco a pouco, a nos voltar para essa fonte de paz com mais frequência, mais confiança e mais simplicidade.
Como estender as mãos à paz de Jesus, na prática?
Talvez alguém se pergunte: concretamente, o que significa “estender as mãos” para recolher partículas dessa cascata espiritual?
Podemos pensar em alguns gestos diários, discretos, mas persistentes:
- A prece sincera, breve ou longa, mas sentida, em que abrimos o coração a Deus e ao Cristo.
- A leitura de uma página do Evangelho ou de obras edificantes, não como obrigação, mas como diálogo.
- O Evangelho no Lar, que transforma o ambiente doméstico em espaço de oração e entendimento.
- O esforço constante de perdoar, de compreender, de ouvir antes de responder, de colocar-se no lugar do outro.
- E, sobretudo, a decisão íntima de convidar Jesus para estar conosco nos momentos simples do dia: antes de uma conversa difícil, diante de uma escolha importante, quando a tristeza aperta, quando a alegria surge.
Cada vez que fazemos um desses movimentos, é como se aproximássemos as mãos da cascata. Não vamos receber toda a água de uma vez. Mas recolhemos, a cada gesto, partículas das bênçãos de paz que Jesus nos oferece.
Por fim, um convite à experiência pessoal
A cascata continua a jorrar. Ela não depende do nosso humor, do nosso mérito ou da nossa compreensão perfeita dos desígnios divinos. Ela é expressão da constância do amor de Deus e da presença de Jesus em nossas vidas.
Talvez, ao sairmos daqui hoje, os problemas não tenham desaparecido. As contas continuarão existindo, as dificuldades familiares ainda pedirão diálogo, a saúde talvez não mude de um dia para o outro. Mas algo pode mudar profundamente: a forma como nos aproximamos da paz que o Cristo nos oferece.
Que cada um de nós, ao acordar amanhã, possa lembrar dessa imagem. Antes de pegar o celular, antes de entrar na correria, que possamos, ainda que por alguns instantes, imaginar essa cascata de luz ao nosso lado e dizer, em pensamento:
“Senhor Jesus, eu tenho sede de paz. Ajuda-me a estender as mãos. Permite que eu recolha hoje, ao menos uma pequena partícula dessa água que vem de ti, para que eu possa viver este dia com mais serenidade, mais confiança e mais amor.”
Se fizermos isso com perseverança, pouco a pouco nosso coração irá se habituar à presença da paz de Jesus. E então, mesmo no meio das lutas, iremos experimentar algo do que a mensagem chama de “espiritual regozijo dele e nosso”.
Que o Senhor nos abençoe, que possamos aprender a receber aquilo que Ele nunca deixou de nos dar.
Muito obrigado pela atenção e pela presença de todos. Que a paz de Jesus permaneça em nossos corações, hoje e sempre.
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